domingo, 27 de agosto de 2017

Cartas de escritores abrem portas para estudos sobre o acervo do Museu Mariano Procópio

Em carta, Eça de Queiroz se desculpou por demorar a escrever no leque porque era 'estreante neste tipo de literatura' (Foto: Museu Mariano Procópio/Divulgação)Em carta, Eça de Queiroz se desculpou por demorar a escrever no leque porque era 'estreante neste tipo de literatura' (Foto: Museu Mariano Procópio/Divulgação)

Em carta, Eça de Queiroz se desculpou por demorar a escrever no leque porque era 'estreante neste tipo de literatura' (Foto: Museu Mariano Procópio/Divulgação)

A herança deixada pela Viscondessa de Cavalcanti ao Museu Mariano Procópio é uma fonte constante de surpresas. Colecionadora com interesses diversificados, a prima de Alfredo Ferreira Lage, o criador do Museu em Juiz de Fora, deixou algumas de suas cartas pessoais à instituição.

Entre elas, há registros dos escritores Machado de Assis e Eça de Queiroz - o assunto envolve o interesse dela em catalogar registros de pessoas importantes na época. Ele faz referência ao leque com assinaturas, que ganhou destaque nacional em 2016 por conter um registro do Barão de Pierre de Coubertain, o criador dos Jogos Olímpicos Modernos.

"Ela deixou cartas específicas em vários museus. O nosso acervo é limitado, mas têm as que foram escritas pelo político Afonso Celso, intelectual Ramiz Galvão, escritor Ramalho Ortigão, pintor Léon Bonnat. A Viscondessa tinha interesse em ter este autógrafo, ou seja, o registro desta personalidades importantes na virada do século 19 e 20", disse a historiadora do Museu, Priscila Pinheiro.

De acordo com ela, estes registros podem ser o início de estudos que dialoguem com outras instituições. "Cada carta tem uma temática diferente. Pode ser um ponto de partida. É importante uma documentação mais robusta para a análise, o que leva a necessidade de pesquisar em outras instituições. À medida que somos procurados por um pesquisador, é uma forma de divulgar e valorizar o acervo, além de permitir a apropriação dele pela sociedade", comentou.

Os pesquisadores interessados em itens do acervo do Museu Mariano Procópio devem entrar em contato com o Departamento de Acervo Técnico, pelo telefone (32) 3690-2004. Ele terá que preencher um formulário de solicitação de pesquisa e os integrantes irão verificar o que é necessário para viabilizar o atendimento.

Viscondessa de Cavalcanti colecionou autógrafos de personalidades em leque, que integra o acervo do Museu Mariano Procópio (Foto: Museu Mariano Procópio/Arquivo)Viscondessa de Cavalcanti colecionou autógrafos de personalidades em leque, que integra o acervo do Museu Mariano Procópio (Foto: Museu Mariano Procópio/Arquivo)

Viscondessa de Cavalcanti colecionou autógrafos de personalidades em leque, que integra o acervo do Museu Mariano Procópio (Foto: Museu Mariano Procópio/Arquivo)

Eça: dúvida sobre o que escrever no leque

Pode um escritor ficar em dúvida sobre como usar as palavras? Esta é a curiosidade sobre a mensagem escrita pelo autor de "O Primo Basílio" e "Os Maias" em 12 de março de 1891. O escritor português se desculpa por não saber o que escrever no famoso leque onde a Viscondessa de Cavalcanti colecionava assinaturas.

"É uma carta específica, que desperta um interesse particular ao dialogar com um objeto ícone do museu. Ele pede desculpas pela demora em devolver o leque, porque ele estava estreando neste gênero de literatura: deixar autógrafo, um registro, em objeto diferente. Além da assinatura, ele colocou uma frase, explicando que pensou tanto para escrever e recorreu a sapiência de Salomão", comentou a historiadora.

Carta de Eça de Queiroz à Viscondessa de Cavalcanti faz parte do acervo do Museu Mariano Procópio (Foto: Museu Mariano Procópio/Divulgação)Carta de Eça de Queiroz à Viscondessa de Cavalcanti faz parte do acervo do Museu Mariano Procópio (Foto: Museu Mariano Procópio/Divulgação)

Carta de Eça de Queiroz à Viscondessa de Cavalcanti faz parte do acervo do Museu Mariano Procópio (Foto: Museu Mariano Procópio/Divulgação)

Confira a íntegra da carta de Eça de Queiroz

5 Rue [...] 12 março 1891

Minha Senhora,

Peço humildemente perdão a V. Exa. de ter retido tanto tempo o seu lindo leque. Mas era minha estreia neste gênero de literatura – e daí uma natural hesitação e demora. E, no fim, para quê? Para ter de recorrer à experiência e sapiência de Salomão, Rei de Jerusalém!

Tenho aos pés de V. Exa., minha senhora, os meus mais profundos respeitos.

Eça de Queiroz

Machado de Assis escreveu sobre coleção de poesias que a Viscondessa pretendia fazer (Foto: Museu Mariano Procópio/Divulgação)Machado de Assis escreveu sobre coleção de poesias que a Viscondessa pretendia fazer (Foto: Museu Mariano Procópio/Divulgação)

Machado de Assis escreveu sobre coleção de poesias que a Viscondessa pretendia fazer (Foto: Museu Mariano Procópio/Divulgação)

Machado e a coleção de poesias

Já a carta de Machado de Assis, que foi escrita nove anos depois, envolve um pedido voltado para uma coleção que a Viscondessa tinha interesse. "Ela tinha intenção de colecionar poesias. Na carta, ele está falando sobre um poema que escreveu em um álbum para ela", comentou.

Graças a este registro do autor, o Museu foi procurado por um pesquisador. "Ele quer reunir toda a obra literária de Machado. Nós temos no acervo a carta, o verso e uma assinatura no leque. É uma contribuição importante, que complementa outros documentos que ele já localizou na pesquisa", explicou a historiadora.

Confira a íntegra da carta de Machado de Assis à Viscondessa

Rio, 13 de junho 1900

Exma. Senhora Viscondessa,

Tenho aqui comigo as folhas do álbum de V. Ex., que recebi do meu ilustre amigo José Veríssimo, com uma folha escrita por ele. Segundo as ordens de V. Ex., esta folha não devia ser comunicada aos outros, e sucessivamente as que forem sendo escritas. Pela minha parte, violei a regra, lendo aquela folha, que fica em meu poder, até que V. Ex. mande o contrário. Ora, eu quisera saber se V. Ex. me ordena que continue a passar as folhas do álbum às outras pessoas a quem já falei, encarregando-me de as reter comigo e remetê-las todas juntas a V. Ex., ou se quer que lhas envie uma a uma escritas, ou enfim, se resolveu outra qualquer cousa sobre isto, - o que tudo cumprirei, segundo me for determinado. Não incluo já aqui a folha escrita pelo J. Veríssimo para não haver de a dobrar.

Queira V. Exª dispor de quem é, com elevada consideração,

De V. Exª

[Admirador] e [...]

Machado de Assis

Pesquisador procurou Museu Mariano Procópio interessado em informações sobre a carta de Machado de Assis (Foto: Museu Mariano Procópio/Divulgação)Pesquisador procurou Museu Mariano Procópio interessado em informações sobre a carta de Machado de Assis (Foto: Museu Mariano Procópio/Divulgação)

Pesquisador procurou Museu Mariano Procópio interessado em informações sobre a carta de Machado de Assis (Foto: Museu Mariano Procópio/Divulgação)

Quem foi a Viscondessa de Cavalcanti?

A Viscondessa de Cavalcanti, que recebeu o nome de batismo de Amélia Machado Coelho, nasceu no Rio de Janeiro em 7 de novembro de 1853. Em 1871, casou-se com o Conselheiro Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque, agraciado com o título de Visconde de Cavalcanti, um dos estadistas mais conceituados do Império, nomeado Senador, além de ter sido presidente das províncias do Ceará, do Piauí e de Pernambuco, e também ministro de quatro pastas: Negócios Estrangeiros, Agricultura, Justiça e Comércio e Obras Públicas.

A Villa Ferreira Lage, o castelinho da família, foi uma das residências oficiais da Viscondessa, sobrinha de Mariano Procópio. Em certo período, chegou a dividir a casa com seu primo, Alfredo Ferreira Lage.

"Ela estava antenada com a prática do colecionismo na Europa e nos Estados Unidos. Ela e o marido tinham uma posição privilegiada, o que contribuiu para os contatos com estas personalidades. Ela soube articular muito bem a circulação neste meio e os interesses em coleções", analisou Priscila Pinheiro.

Colecionadora, a Viscondessa reuniu itens variados para o museu particular que tinha no Rio de Janeiro. Após a Proclamação da República, levou o acervo para Paris, para onde se mudou com a família. Entre as décadas de 1920 e 1930, distribuiu esse acervo entre instituições no Brasil e no exterior. Ainda em vida, doou parte da coleção ao Museu, peças e objetos dos mais variados gêneros.

Acervo diversificado doado pela Viscondessa de Cavalcanti faz parte do Museu Mariano Procópio (Foto: Museu Mariano Procópio/Arquivo)Acervo diversificado doado pela Viscondessa de Cavalcanti faz parte do Museu Mariano Procópio (Foto: Museu Mariano Procópio/Arquivo)

Acervo diversificado doado pela Viscondessa de Cavalcanti faz parte do Museu Mariano Procópio (Foto: Museu Mariano Procópio/Arquivo)

0 comentários:

Postar um comentário