segunda-feira, 6 de março de 2017

Falta de Código de Ética impede Alap de cassar de deputado preso

Moisés Souza, deputado estadual do Amapá (Foto: Gabriel Penha)Moisés Souza está preso há mais de três meses por
desvio de dinheiro público (Foto: Gabriel Penha)

Constituída com 24 parlamentares desde 1991, a Assembleia Legislativa do Amapá (Alap) vive uma condição atípica em razão da prisão do ex-presidente Moisés Souza (PSC), em novembro de 2016, por desvios de dinheiro dos cofres da Casa.

Além de ser a primeira vez que um dos seus membros está encarcerado por corrupção, o parlamento está engessado por não poder fazer nada internamente contra o mandato de Moisés Souza, o que força a Assembleia ter atualmente 25 deputados, um a mais do que deveria.

O deputado a mais é Janete Tavares, do PSC. Ela assumiu a cadeira no parlamento em decorrência da prisão de Moisés Souza, que, com o encarceramento, teve o mandato suspenso e não recebe salários, nem o valor destinado ao gabinete, informou a Casa.

A situação atípica é resultado da falta de um instrumento considerado fundamental para reger os bons costumes e nortear medidas administrativas dentro da Assembleia Legislativa do Amapá: o Código de Ética e Decoro Parlamentar.

Eugênio Santos Fonseca, procurador-geral da Assembleia do Amapá (Foto: John Pacheco/G1)Eugênio Santos Fonseca, procurador-geral da
Assembleia do Amapá (Foto: John Pacheco/G1)

Em razão da inexistência do documento, nenhum deputado pode ser cassado pelo plenário da Casa porque não tem um rito que estipule como tratar o procedimento, o que também acaba deixando sem utilidade a Comissão de Ética, que tem como única função opinar sobre decoro parlamentar, conforme prevê o artigo 35 do Regimento Interno da Casa.

O procurador-geral da Assembleia Legislativa, Eugênio Santos Fonseca, explica que realmente não existe o Código, e que representações contra deputados "não vão adiante" em função da ausência de normas que caracterizem uma punição por quebra de decoro, que pode ser de uma advertencia até a cassação.

O problema foi exposto em parecer de 22 de dezembro da deputada Luciana Gurgel (PMB), sobre a representação do PSOL que pediu a cassação de Moisés Souza. O caso foi arquivado pela falta de procedimento que pudesse instruir os deputados sobre o pedido.

"A Comissão de Ética não pode opinar nada sobre o decoro parlamentar sem o necessário regulamento: o Código de Ética e Decoro Parlamentar, até então inexistente. Resta parente a omissão legislativa. Por esta singela razão, não pode a Comissão de Ética examinar as condutas puníveis e propor as penalidades aplicáveis aos deputados submetidos ao processo disciplinar", disse Luciana Gurgel, em parecer da Mesa Diretora.

Deputados aprovaram Sistema Estadual de Cultura (Foto: Abinoan Santiago/G1)Código de Ética deve ser apreciado pelo plenário da
Assembleia (Foto: Abinoan Santiago/G1)

O mesmo parecer ainda avaliou que em razão da falta do Código de Ética, a única forma atualmente de um deputado perder o mandato é em caso de recebimento de sentença sem mais chances de recorrer na Justiça. A medida, no caso, estaria amparada no artigo 98 da Constituição do Estado.

"No caso, é fato que há uma condenação criminal, mas não há uma condenação criminal sem sentença transitada em julgado, o que lhe poderia ensejar ao representado a perda do mandato, por decisão do plenário da Assembleia Legislativa, assegurada ampla defesa", explicou Luciana Gurgel.

No caso do decoro parlamentar, o Regimento Interno da Assembleia fixa quais as irregularidades que acarretam na quebra de postura. Entre as incompatibilidades com o decoro, está a "percepção de vantagens indevidas e prática de irregularidades graves no desempenho do mandato", fixa o artigo 85 do regimento.

Apesar de dizer invocar o que é quebra de decoro, os deputados ficam inertes por não terem um procedimento para serem norteados para iniciar o processo de punição ao deputado que se enquadre.

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MOISÉS PRESO
Ex-presidente da Alap é preso por corrupção

Atualmente a procuradoria trabalha na elaboração de uma minuta que será encaminhada para discussão e aprovação em plenário. Eugênio explica que a elaboração do Código de Ética não necessariamente afirma que ocorrerá a cassação de Moisés, ou de qualquer outro deputado, o Código apenas define o que acontece a partir do pedido de punição.

"Quando assumiu, o presidente Kaká pediu para que eu possa fazer uma anteproposta para viabilizar que a Alap possa votar o mais rápido possível uma norma disciplinando a forma como a Assembleia deve tratar as questões de representação de quebra de decoro contra parlamentar", detalhou o procurador, que deve entregar o texto ainda nesta semana.

A partir da elaboração do texto, o mesmo é encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que dará parecer para a votação em plenário. O procurador acredita que o Código será proposto na forma de resolução, o equivalente a uma lei dentro da Assembleia.

Reforma do Regimento Interno
Criado pelos próprios parlamentares, o Regimento Interno da Assembleia só pode ser alterado pelos deputados.

De acordo com o artigo 259 do Regimento Interno, o documento "poderá ser alterado, no todo ou em parte, através de projeto de resolução, aprovado pelo voto da maioria absoluta dos membros da Assembleia Legislativa e será votado em dois turnos com interstício mínimo de cinco dias".

Além disso, caberá exclusivamente à Mesa Diretora dar parecer em todos os aspectos, inclusive, no de redação final da alteração.

Caso Alexandre Torrinha
Ao longo dos 25 anos do parlamento amapaense, apenas um político foi cassado, o deputado Alexandre Torrinha, à época, filiado ao PDT.

O caso ocorreu em 22 de dezembro de 2000, quando o Amapá vivia uma crise política entre os poderes executivo, legislativo e judiciário, resultando até na constituição de uma comissão mista para analisar o pedido de impeachment contra o então governador João Capiberibe (PSB). O pedido foi arquivado pelo Tribunal de Justiça do Amapá (Tjap) após identificação de falhas no andamento do processo na Assembleia.

Em meio a crise, Torrinha assumiu o cargo de presidente depois da vacância temporária do cargo do então presidente Fran Júnior, por decisão do plenário da Casa, derrubada depois pela Justiça.

Após ter reassumido a Casa, Fran Júnior recebeu denúncias sobre Torrinha e instaurou procedimento contra o deputado que culminou na cassação, sem mesmo a existência do Código de Ética e Decoro Parlamentar na Casa.

Dezessete anos depois, Fran Júnior disse ao G1 que a inexistência de rito interno, foi usada como parâmetro para as regras do Código de Processo Civil. Alexandre Torrinha recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) alegando a falta do Código de Ética e Decoro Parlamentar na Assembleia, e conseguiu retornar ao cargo em 3 de outubro de 2001.

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