segunda-feira, 20 de março de 2017

'Senti revolta', diz mulher de paciente retirado pela família de corredor no CE

"Só queria que ele fosse atendido como um ser humano e não como um lixo". O desabafo é da dona de casa Maria Sousa de Brito, que decidiu retirar o marido, Raimundo Nonato de Brito, de uma maca no corredor do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), enquanto ele esperava atendimento no corredor da unidade. O hospital informou que o paciente foi medicado, passou por exames e que estava na emergência quando a família solicitou alta.

Um vídeo do caso circula nas redes sociais e mostra o momento em que a mulher leva embora o marido doente. "Foi um desabafo mesmo. Foi o que eu senti: revolta, indignação, falta de humanidade. Isso eu senti e ainda sinto. Porque a gente luta tanto, meu esposo sempre foi um homem trabalhador, sempre contribuiu, honesto, então, eu não queria muita coisa", diz a mulher.

Nas imagens, gravadas no sábado, ela denuncia a falta de atendimento. "Não fico. O paciente é meu, e aqui ele não vai morrer nesse corredor. Pode morrer em casa. Como é que eu vou ficar num corredor desses, de joelho, sentada, com um paciente com a gravidade dessas?", reclama, no vídeo.

O paciente é Raimundo Nonato de Brito, de 59 anos. Segundo a família, ele estava internado no HGF há 4 meses por causa de uma pneumonia e um problema no intestino. Ele teria recebido alta na última quinta-feira, mas passou mal novamente e, por isso, foi levado de volta ao HGF. Mas não teria mais encontrado uma vaga no hospital. "Uma situação desumana. Eu disse que não ficaria", relata a mulher.

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A denúncia dos parentes é de que ele teria ficado de 9 horas da manhã até 1 hora da tarde de sábado sem atendimento. A família colocou o paciente em um carro particular, procurou outro hospital, mas também não conseguiu internamento para o seu Raimundo.

Seu Raimundo voltou pra casa. Ele está no quarto do casal, que foi adaptado e está com outra estrutura. Ele está em uma cama hospitalar, onde tem um aspirador. A família está controlando a entrada de pessoas no espaço para evitar qualquer contaminação e uma piora no estado de saúde dele.

Maria é casada com Raimundo há 30 anos e não sai do lado do marido, transmitindo força e carinho. Seu Raimundo está com feridas pelo corpo por causa da condição dele. Consciente, se comunica com dificuldade. Mas a família sofre junto com cada sussurro de dor do paciente. Os cuidados com o paciente acamado são um desafio para mãe e filha.

"Nós temos muitos gastos com meu pai. Só de gazes ao dia são 100 pacotes. São 3 mil pacotes de gaze ao mês. Então só de gaze são R$ 6 mil por mês. Nós não temos condições de arcar só com as gazes, sem falar alimentação, equipamento da alimentação, higiene, fraldas”, conta a filha, a advogada Aline Sousa de Brito.

Depois que compartilhar o vídeo nas redes sociais, a família começou a receber apoio de várias pessoas. A solidariedade chegou em forma de doações e também de ajuda na rotina de cuidados. “Eu vim dar um abraço na Aline, ver o que ela tá precisando, e tentar aumentar essa campanha. Porque se não houver condição de dinheiro, a gente se junta, a gente vai atrás, a gente dá um jeito”, afirma a advogada Ana Mara Rodrigues.

Atendimento médico
Sobre as denúncias da família, a coordenadora da emergência do HGF, Lara Santiago, informou que o paciente passou pelo acolhimento e por atendimento médico, onde foram solicitados exames e prescritos medicações. "Depois de umas 4 horas que estava no hospital, a família solicitou alta ao pedido, e ele infelizmente saiu do hospital. Ele chegou a receber medicação, foram feitos exames laboratoriais e foi prescrita medicação tanto pra dor como a medicação que ele estava utilizando já em casa".

"Durante o tempo em que o paciente fica na medicação, ele fica ali, na emergência, tendo os atendimentos iniciais, para só depois a gente ter noção, de acordo com o atendimento inicial, os exames laboratoriais que foram solicitados, o exame físico que foi feito, a gente saber pra onde a gente vai mandar aquele paciente e o leito adequado pra ele", disse.

A coordenadora acrescentou que o paciente está sendo assistido pelo sistema de atendimento domiciliar. "É um convênio do HGF com Waldemar de Alcântara, ou seja, é um serviço que o estado também já está prestando, e esse é um acompanhamento domiciliar, de segunda a sexta-feira, com equipe multiprofissional, mas aí caso ele tenha alguma intercorrência, o ideal seja que ele procure o Samu, para levá-lo para um UPA, ou procure o HGF, que está de portas abertas para recebê-lo", disse.

Nota da secretaria
Em nota, a Secretaria de Saúde do Ceará afirma que paciente Raimundo Nonato de Brito, de 59 anos, foi admitido em 15 de novembro de 2016 na emergência do Hospital Geral de Fortaleza (HGF). O paciente, que tem hipertensão e diabetes, é cardiopata. Teve também isquemia cerebral datada de 2001 que o levou à tetraplegia. Foi acompanhado por equipe multipespecializada formada por clínicos,  neurocirurgiões, cirurgiões, enfermeiros,  fisioterapeutas, fonoaudiólogos, dentre outros.

Em 21 de dezembro de 2016, foi transferido para a Unidade de Cuidados Especiais, em cuidados paliativos, em comum acordo com a família de não realizar medidas invasivas. Em meados de fevereiro, foi iniciada a tentativa de preparo para desospitalização. Em março, equipe e familiares optaram, também em  decisão conjunta, por não realizar  procedimentos invasivos. O parecer dado então foi por indicação exclusiva de cuidados paliativos.

Em 16 de março, Raimundo Nonato foi desospitalizado para programa de atenção domiciliar. O paciente retornou ao HGF em 18 de março às 09h21 e classificado com risco amarelo (médio risco) às 09h41. Atendido às 10h50, foram solicitados exames laboratoriais e o paciente passou a fazer uso de sonda. Raimundo Nonato teve medicação prescrita e foi admitido na emergência às 11h20. Às 13h12, entretanto, foi dada baixa no sistema após solicitação dos familiares de saída do paciente.

A Secretaria de Saúde esclarece, ainda, que pacientes podem receber alta e ser encaminhados para atendimento domiciliar, onde são acompanhados por meio de cuidados paliativos com apoio de equipe multidisciplinar. O serviço funciona de segunda a sexta-feira com visitas agendadas pela equipe. Nos cuidados paliativos, é necessário avaliar e controlar não somente a dor, mas todos os sintomas de natureza física, social, emocional e espiritual.

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