Pilotos de caças da Força Aérea Brasileira faziam testas quando bombas de 230 quilos se soltaram e caíram na cidade. Sem explosivos, cápsulas causaram estragos e renderam indenização milionária ao município.
Há 30 anos a cidade de Formiga, no Centro-Oeste de Minas, virou notícia no mundo. No dia 2 de abril de 1987, dois aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) "bombardearam" a cidade. O bombardeio não foi premeditado, ocorreu durante um treinamento, quando duas réplicas de explosivos que pesavam 230 quilos cada, se soltaram dos compartimentos que as seguravam e despencaram.
O impacto causou estragos e gerou pânico na população. O G1 entrevistou especialistas em aviação, que afirmam que o incidente poderia ter sido uma tragédia. Uma das cápsulas está exposta na Praça da Bomba, que foi construída no local exato da queda.
Segundo os registros da época, naquela manhã, em 87, dois aviões F5 do 1º Grupo de Aviação de Caça (Gavca) decolaram da Base Aérea de Santa Cruz, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), para um treino de rotina. A missão era simples: as aeronaves deveriam voar até Formiga e fazer um ataque simulado a uma ponte.
O jornalista, Guilherme Poggio, especializado em forças de defesa, contou ao G1 que os aviões carregavam bombas inertes – sem explosivos. Para que pesassem os mesmos 230 quilos que pesariam se estivessem preparadas para um ataque real, as cápsulas foram enchidas de concreto. Após a simulação de um ataque à ponte, os caças começaram a ganhar altura para retornar à base. Foi quando ocorreu o desprendimento involuntário das duas bombas de uma das aeronaves.
"Em momento algum da simulação as bombas inertes deveriam ser lançadas. Elas eram apenas componentes necessários à configuração de um perfil aerodinâmico em situação de ataque", disse.
Uma das bombas atingiu um muro do Parque de Exposições. A segunda caiu a cerca de 20 metros de um galpão que abrigava a Escola Estadual Aureliano Rodrigues Nunes, onde estavam centenas de pessoas.
O impacto com o solo produziu um estrondo que pôde ser ouvido em toda a cidade. O também jornalista especializado em defesa aérea, Roberto Caiafa, disse que o piloto do avião que perdeu as bombas recebeu um alerta no painel de controle.
"Ele e o piloto do outro caça ficaram loucos. Voltaram e começaram a sobrevoar o centro da cidade em baixa altitude, à procura do local da queda. Isso deixou a população totalmente em pânico, achando que o governo estava atacando por causa de uma manifestação que acontecia naquele mesmo instante contra as altas taxa de juros praticadas pelo governo do então presidente José Sarney", afirmou.
Caiafa disse que, se as bombas que caíram em Formiga fossem de verdade, o estrago teria sido enorme. “Se fosse para valer, Formiga teria ficado bem desfigurada. Não teria sobrado nada do muro onde uma delas caiu e o lugar onde é a praça hoje teria virado uma imensa cratera. Haveria também a destruição secundária, porque quando essas bombas explodem, geram uma onda de choque que destrói tudo em um raio mínimo de 100 metros”.
O especialista ressaltou que os aviões usados naquele treinamento eram os F5-E. "Eles ainda não tinham sido modernizados para o padrão F5-EM. Esse 'M' é justamente de 'modernizado'. Eram caças totalmente analógicos e totalmente diferente do que é esse mesmo avião hoje. Na versão atual, isso jamais aconteceria, porque o gerenciamento é todo eletrônico", acrescentou.
O susto do prefeito
A notícia de que Formiga estaria sendo bombardeada chegou por telefone ao prefeito da cidade na época, Eduardo Brás Neto Almeida. "Alguém me ligou e disse: 'Ô, prefeito. Corre lá para o parque que o governo está atacando a gente com avião'. Fui correndo. Quando cheguei, tudo estava um caos danado. Muita gente apavorada, sem saber o que tinha acontecido ou o que estava acontecendo. Imediatamente eu mandei isolar a área onde a bomba caiu", contou.
As bombas fizeram dois buracos no chão, com cerca de sete metros de profundidade cada. Quando viu que as cápsulas ainda estavam lá dentro, o prefeito pensou que a segurança de todos no local estava em risco.
"Eu tinha muito medo de que as bombas pudessem explodir a qualquer momento. Imediatamente, liguei para o Ministério da Aeronáutica e me disseram que eu deveria ficar calmo e acalmar também à população, porque os voos de treinamento não usavam bombas de verdade", lembrou.
Ainda insatisfeito com a explicação e com medo de algo pior, o prefeito telefonou para uma empresa especializada em situações de risco. Ao contar que as bombas caíram de um voo de treino e que era possível ver as duas nos buracos que elas fizeram, recebeu a mesma explicação dada pelo órgão do governo federal. "Me disseram para eu ficar tranquilo, porque se fossem bombas de verdade, teriam explodido", relatou.
Almeida, então, pediu aos servidores do setor de Obras que usassem uma retroescavadeira para desenterrar as bombas. "Eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, alguém apareceria querendo levar as bombas, mas eu não deixei. Comprei correntes, cadeados e amarrei as duas", disse.
A previsão estava correta. Poucos instantes depois, militares chegaram ao local e exigiram a entrega de, pelo menos, uma das cápsulas. Eles alegaram que ela seria periciada.
Repercussão e teorias
Nos dias e meses seguintes, Formiga foi notícia nacional e internacional. Repórteres de jornais, revistas, rádios e televisão foram à cidade cobrir o incidente. "Lembro que a TV Globo acompanhou tudo. Quase todo dia o Cid Moreira falava de Formiga no Jornal Nacional. Eles cobraram respostas do governo sobre o que aconteceu aqui", afirmou o ex-prefeito.
A cobertura a nível nacional foi reproduzida em veículos de outros países, enquanto autoridades brasileiras tentavm entender o ocorrido e esboçar as providências necessárias. "Alguém disse que um dos pilotos tinha uma namorada em Campo Belo e estava fazendo graça para ela, dando voos rasantes por aqui, quando se descuidou e soltou as bombas sem querer", contou.
Também circulou uma história de que, no mesmo dia, outro avião da FAB deixou cair outras duas bombas falsas, que atingiram a Lagoa do Fundão. "Foi comprovado que tal versão não procede. Foi apenas um factoide criado para confundir as negociações", acrescentou.
Investigações e indenização
Logo após a queda dos artefatos, a Prefeitura de Formiga contratou um serviço de perícia para fazer uma verificação independente. "Não podíamos deixar que apenas o governo federal investigasse o que aconteceu e decidisse o que fazer, porque foi um ato de extrema irresponsabilidade por parte dos pilotos", revelou Almeida.
Após o incidente houve muitas discussões sobre a necessidade ou não de a FAB indenizar a cidade. "O governo dizia que não tinha motivo, pois não houve danos graves. Mas, como prefeito, fui bastante firme. Frisei que por muita sorte não houve perda humana, mas que houve, sim, danos materiais e danos morais, pois muitas pessoas correram risco real de segurança e de morte. A maioria da população entrou em pânico e teve muito medo. Sem falar do despreparo e da irresponsabilidade da Aeronáutica", observou.
Em junho do mesmo ano a Aeronáutica anunciou que pagaria a indenização de 1.586.918,50 cruzados – o equivalente a R$ 5 milhões. Em entrevistas concedidas na ocasião, o comando disse que lamentava imensamente pelo ocorrido e pediu desculpas ao povo formiguense.
O G1 entrou em contato com a Aeronáutica pedindo um posicionamento sobre o caso ocorrido em Formiga e também sobre as medidas adotadas atualmente e aguarda retorno.
Parte do dinheiro recebido foi usada na construção da Praça da Bomba, que tem o formato de um alvo e fica no exato local onde uma das bombas caiu. O artefato que ficou na cidade está exposto lá e junto dele há uma placa que resume a história aos visitantes.
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