Após anos de luta, o abastecimento de água foi regularizado no Residencial Jacinta Andrade (Foto: Jenifer Carpani/G1)
Durante anos, os moradores do Residencial Jacinta Andrade, localizado na Zona Norte de Teresina, não sabiam o que era ter água em suas torneiras. Cansada da situação, a presidente da Associação de Moradores, Anisia Teixeira, reuniu um grupo de moradores e juntos eles acionaram o Ministério Público Estadual (MP-PI) para que o serviço, considerado por lei como essencial, fosse oferecido diariamente à população. As reclamações da precariedade do abastecimento chegavam ao Procon e em outras promotorias quase que diariamente.
“Atualmente podemos afirmar que há água em nossa casa a qualquer horário do dia e da noite, mas nem sempre foi assim. Houve um tempo em que tínhamos que acordar na madrugada para encher as vasilhas para conseguir cozinhar e tomar banho. Às vezes, não chegava nada nas torneiras e eu tive que pegar água no bairro vizinho”, lembra o assistente administrativo, Marcilio da Silva, morador do conjunto habitacional.
As obras do conjunto, que conta com 4.300 casas, iniciaram em 2008, mas somente em 2011 as primeiras unidades habitacionais foram entregues. Os novos habitantes receberam as chaves dos imóveis e logo enfrentaram a falta de estrutura do local.
Moradores faziam fila para pegar água em quadras que possuia o liquido em 2014 (Foto: Gilcilene Araújo/G1)
O G1 noticiou o desabastecimento enfrentado pelos moradores ao longo destes anos e todos os moradores relatavam que o maior problema do residencial era a falta de água. A população chegou a comprar água durante o desabastecimento e quem não tinha condições de pagar pelos litros de água madrugava vigiando as torneiras na esperança do líquido chegar.
"Era muito ruim porque as louças, roupas acumulavam. Tinha dia que esperava a água chegar e só ouvíamos o barulho do ar passando pelos canos. Meus vizinhos que têm filhos sofriam mais, pois as crianças tomavam apenas um banho por dia, quando tomavam. O banho era com 'cumbuca' para economizar água", lembra a assistente administrativo Eliane Nascimento.
Muita gente cansou de esperar por melhorias e decidiu abandonar o sonho da casa própria. Segundo o Procon, a batalha por água nas torneiras começou logo após a entrega das chavaes, mas somente em 2014 foi aberto um procedimento administrativo contra a Águas e Esgotos do Piauí, que era a responsável pelo abastecimento de água no residencial.
No ano seguinte, um grupo de moradores realizou uma manifestação em frente ao prédio do Ministério Público. Na época, os moradores apresentaram diversos problemas que existiam no bairro e pediram melhorias nas questões de saúde, água, escolas, iluminação e ocupações irregulares das casas. Com passar dos anos, os promotores de justiça conseguiram resolver alguns destes problemas provocando os órgãos responsáveis para cumprir seu papel, mas a luta pelo abastecimento de água de forma regular continuava.
Representante da Agespisa garantiu entrega de reservatório e adutora durante audiência pública (Foto: Camila Fortes / MP-PI)
No ano de 2016, a Promotora de Justiça da 31ª Promotoria de Justiça, Gladys Gomes Martins de Sousa, instaurou um procedimento preparatório para apurar a falta de água intermitente no conjunto Jacinta Andrade. A situação persistiu e uma audiência pública foi realizada com representantes da Agespisa, representantes do Procon, da 31ª promotoria de Justiça, Prefeitura de Teresina e moradores com o objetivo de encontrar uma solução para o descaso.
Durante o encontro, o diretor técnico da Agespisa, Joaquim Rodrigo, informou que a construção de um reservatório estava em fase de conclusão e que ao encerramento dos trabalhos a distribuição de água iria melhorar.
“Ficamos muito satisfeitos com as promessas feitas durante a audiência, tanto que acreditávamos que os prazos estabelecimentos seriam cumpridos, mas não foi bem o que aconteceu ”, lembra a presidente da associação de moradores, Anisia Teixeira.
Em março de 2017, a Promotora de Justiça Gladys Gomes Martins de Sousa assinou um pedido de medida liminar solicitando à justiça a imediata regularização do fornecimento, em tempo integral, de água aos moradores do conjunto Jacinta Andrade e ainda a condenação da ré, no caso a Agespisa, a promover compensação por danos morais no valor de R$ 300 mil em favor dos consumidores.
Novamente, a problemática não foi resolvida. Os moradores continuaram sendo obrigados a ficar acordados durante a madrugada para conseguir encher os vasilhames com o líquido que seria usado durante o dia nas tarefas diárias de suas casas. Até que em julho deste ano, a empresa Águas de Teresina assumiu o abastecimento na capital e iniciou um plano emergencial que contemplava o Jacinta Andrade e mais 13 áreas crônicas de desabastecimento.
“A luta para regularizar a situação no Jacinta durou quatro anos, mas conseguimos melhorar a situação daquelas pessoas com a chegada da Águas de Teresina que assumiu a demanda que era da Agespisa”, afirmou o promotor Nivaldo Ribeiro, coordenador geral do Programa de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério Público do Piauí.
Segundo a Águas de Teresina, os benefícios para a população do Jacinta Andrade e moradores da região da grande Santa Maria começaram com a conclusão da estação de tratamento de água localizada na Santa Maria da Codipi, cuja produção passou de 430 mil litros de água por hora para 900 mil litros/hora. As ações na região incluíram a reforma no reservatório e colocação de um booster na unidade de bombeamento de águano Jacinta Andrade.
Casal comemora o retorno de água nas torneiras de casa (Foto: Gilcilene Araújo/G1)
De acordo com a presidente da Associação de Moradores, o problema da falta de água foi resolvido para a maioria dos habitantes do Jacinta Andrade. Ela informou que em algumas residências o abastecimento não acontece em determinados horários do dia, mas Anisia Teixeira acredita que este problema deverá ser solucionado o mais rápido possível. A Águas de Teresina informou que dentro de poucos dias, o abastecimento será regularizado por completo no conjunto habitacional.
Agora, os moradores que permaneceram durante meses sem receber uma gota de água em suas torneiras buscam novamente o apoio do Procon para conseguir a anistia para as cobranças feitas durante o período de desabastecimento. “Já estivemos no Procon pedindo ajuda para evitar o pagamento destes talões de água”, disse Anisia Teixeira.
Promotor diz que abastecimento de água é serviço essencial (Foto: Gilcilene Araújo/G1)
De acordo com Nivaldo Ribeiro, a reclamação da presidente é respaldada pelos órgãos de defesa do consumidor. “Os serviços de saneamento são considerados como essenciais à vida humana e, por isso, o fornecimento de água dever ser adequado e contínuo, mas caso isso não aconteça é importante dizer que o tempo em que o consumidor ficar sem água precisa ser calculado para que sejam dados descontos na conta mensal com valor equivalente ao do período de indisponibilidade do serviço”, explicou o promotor.
O Residencial Jacinta Andrade foi construído com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal e possui 4.300 unidades habitacionais e prevê em seu projeto: dois postos de saúde, três escolas, duas creches, uma delegacia, um mercado público, uma quadra poliesportiva, um centro cultural, terminal de ônibus, pavimentação asfáltica, esgotamento sanitário, rede elétrica e água encanada.
O direito à agua
Para defender o direito do consumidor há o Código de Defesa do Consumidor (CDC) (Foto: Adelmo Paixão/G1)
O artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor estabelece: “Os órgãos públicos por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e quanto aos essenciais, contínuos”. Desta forma, o promotor alerta aos moradores de diversos bairros e comunidades rurais de Teresina e do interior que estavam convivendo com constantemente com o fornecimento irregular de águas para acionar o Procon e denunciar o problema.
“O Procon abre um procedimento administrativo para solicitar informações à empresa responsável. Não resolvendo o problema, o órgão abre um procedimento judicial onde poderá entrar com uma ação civil pública, como aconteceu no Jacinta Andrade, mas é importante que as pessoas venham reclamar para podermos ajudá-las”, afirmou Nivaldo Ribeiro.
O promotor explica ainda que as mesmas medidas tomadas em Teresina estão valendo para cidades do interior do estado. Ele lembra ainda aos consumidores que a lei obriga a empresa distribuidora de água a informar com antecedência o porquê do corte no fornecimento. “O consumidor que se sentir prejudicado pode procurar o Procon em casos de prejuízos para solicitar indenizações, mas é preciso comprovar as denúncias”, disse.
José Renato buscou ajuda no Procon para resolver problemas com a empresa Águas de Teresina (Foto: Gilcilene Araújo)
Foi o que fez José Renato, sindico de um prédio residencial em Teresina. Ele esteve na sede do Procon solicitando ajuda do órgão para acionar a empresa Águas de Teresina para uma suposta medição errada de consumo.
“Tomei um susto quando o talão de água chegou porque o consumo quase dobrou e nós não estávamos no período mais quente do ano, pois isso poderia justificar o aumento. Fui até a empresa responsável solicitar uma nova medição ou verificação no hidrômetro. A empresa enviou um funcionário que afirmou ser correta a medição, mas contesto porque o aparelho é antigo. A empresa não quis mais conversar e deu o caso por encerrado. Como represento diversos moradores que se sentiram prejudicados, vim em busca de apoio e intervenção do Ministério Público”, contou o sindico.
Trinta anos em defesa do consumidor
População do Piauí conta com serviço de apoio ao consumidor há 30 anos (Foto: Andrê Nascimento/ G1)
Há 30 anos, a população do Piauí conta com serviço de apoio ao consumidor. Desde 1987, o antigo DECON, órgão de Defesa Comunitária, recebia reclamações e buscava solucionar as demandas. O órgão foi criado em 1984, mas somente depois de três anos iniciou suas atividades. Segundo o Ministério Público, além de se incumbir da relação de consumo, o Decon funcionava como verdadeiro Juizado Especial, processando os mais diversos litígios, inclusive, “briga de vizinho”.
Através da Lei Complementar Estadual nº 36, de 09 de janeiro de 2004 foi criado o PROCON, órgão integrante da estrutura do Ministério Público do Estado do Piauí e encarregado da orientação e defesa do consumidor.
Atualmente as atividades do Procon estão focadas na fiscalização e na educação para o consumo, além do desenvolvimento de políticas voltadas para orientação consumerista, com a fomentação de Procons municipais nas principais cidades do interior do Estado. Um exemplo são os Procons Municipais de Parnaíba e Picos, recentemente criados.
De acordo com coordenador geral do órgão, a capital deve ter seu Procon municipal em breve. “Fizemos uma audiência para discutir o tema com vereadores e o prefeito de Teresina, Firmino Filho, demostrou interesse em colocar o projeto em pratica”.
Em julho deste ano, o prefeito reuniu vereadores e adiantou que existe uma conversa com o Tribunal de Justiça sobre a estrutura necessária para que o órgão possa funcionar e atender a população.
"É uma ideia muito interessante. Temos todo o interesse, inclusive o Ministério Público já tinha nos convidado a participar dessa ideia. Estamos buscando um prédio com o Tribunal de Justiça, esperamos resolver em breve essa questão para estabelecermos uma estrutura mínima para oferecer o serviço. Acho que é uma ideia bastante louvável e de nossa parte vamos trabalhar em direção a isso", afirmou na época.
Enquanto o Procon municipal de Teresina não sai do papel, a cidade já conta com uma unidade vinculada à Assembléia Legislativa. O novo Procon é resultado de um acordo de cooperação técnica entre o Ministério Público e a ALEPI, e funciona como um ponto de atendimento aos consumidores que precisarem ter acesso aos seus direitos nas relações de mercado.
Dessa forma, o Procon se aproxima da comunidade desenvolvendo atividades voltadas para o esclarecimento das relações de consumo, direitos e obrigações de fornecedores e consumidores. O órgão realiza ainda palestras em escolas públicas da rede municipal e estadual de ensino e escolas privadas, com a finalidade de formar o consumidor do futuro.
“Cabe ao Procon, como órgão integrante do Ministério Público do Estado do Piauí, a política estadual de defesa do consumidor e a tutela dos direitos individuais e coletivos, não importando se o fornecedor negocia serviços ou produtos na área de energia, telefonia, cartão de crédito, plano de saúde, hotelaria, alimentos, etc”, finalizou o coordenador geral do órgão.
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